1º Encontro de Régios - O passado e o presente 22 de Outubro de 2011


Foi assim que o Grupo Académico Serenatas de Portalegre realizou no dia 22 de Outubro de 2011 o "I Encontro de Régios - O passado e o presente". Depois dos reencontros entre os actuais e os antigos elementos nos famosos jantares de natal este foi mais um dia bem passado entre todos, de pleno convívio, amizade, música e muitas histórias para mais tarde recordar. Um dia de celebração, de tradições, de espírito académico e companheirismo. Mais do que um Grupo, uma família. "Uma estranha forma de viver a música, mas que encanta tudo e todos".

Candidatura do Cante aAentejano a Património da Humanidade - Conhecer as nossas tradições

Candidatura do cante alentejano a Património da Humanidade entregue a 30 de Março. Uma tradição absolutamente fantástica... Só sentindo, pois não dá para descrever...Depois do fado, o cante alentejano. Portugal vai apresentar ainda este ano a candidatura a Património da Humanidade. A ideia nasceu em Serpa, cidade onde tem sede um dos mais tradicionais grupos de cantares. O que é, afinal, o cante alentejano?
“O cante alentejano é uma polifonia simples, a duas vozes paralelas, à terceira superior”. “É composto de modas, nas quais sobressaem, nalgumas delas, dois sistemas musicais inteiramente distintos; o sistema modal e o sistema tonal. O sistema modal, em uso durante toda a Idade Média, o sistema tonal, já fruto do Renascimento, no século XVI”
E como se canta? “Os cantadores, geralmente homens do campo, cantam em grupo, divididas as vozes em três naipes: o Ponto, o Alto e as Segundas vozes. A função do Ponto é iniciar a moda, retornada depôs pelo Alto, e em seguida pelas segundas vozes, constituindo assim o coro. A função específica do Alto é preencher as pausas com os vaias, no fim das frases musicais, excepto na última — assim uma espécie de Ponto na 1 vez”(Padre António Augusto Alfaiate Marvão).
Até onde remontam as origens de “cante”?
Como sabe, existem três vias para dar resposta a essa dúvida que nos surge sempre que queremos encontrar o momento, o local e o modo do surgimento do cante alentejano. Estudiosos da matéria apontam a génese do cante para a pratica coralista gregoriana, encontrando razões, pontos de convergência e similitudes que para eles são irrefutáveis. Outros, igualmente empenhados no estudo desta matéria, avançam como resposta a herança histórico-cultural legada pela presença árabe no nosso país e a sua abalada mais tardia do sul do país. Buscando e encontrando semelhanças, na forma de expressão vocal nossa e no cante mourisco….
Mas, outros há ainda que respondendo à mesma questão, negam ambas as explicações anteriores e apontam como fundamento da origem do cante alentejano a fixação pelas nossas gentes e a sua interpretação sistemática, de uma forma de polifonia onde se concentram e se exteriorizam os valores mais profundos da alma deste povo.
E quais as suas estruturas?
No seu início, o cante tinha como palco o campo. Foi uma necessidade sentida pelos trabalhadores para lhes aconchegar o espírito e lhes aliviar o corpo. Nasceu nas idas e nas vindas do trabalho e cultivou-se na dureza da azáfama.
O cante nasceu em função do trabalho, burilou-se na sua execução, passou a ser instrumento do mesmo.
Depois prolongou-se caminhos fora e entrou nas vilas e nas aldeias. Continuou-se nas tabernas, apareceu nas festas.
Mas a sua função principal não era animar os folguedos. Nasceu da necessidade dos trabalhadores inventarem um bálsamo para as suas dores tantas.
E o cante era isso, um grito que aliviava, um suspiro que tornava menos amarga a dureza da vida.
O cante colectivo, o som projectado por tanta garganta em uníssono, dava uma sensação de força maior, que se acrescentava à outra que a fraqueza ia vencendo, quer debaixo do sol escaldante, quer sob uma qualquer intempérie para a qual não havia abrigo de jeito.
No trabalho esforçado para além dos limites das posses individuais, valia assim a presença do coro colectivo que emprestava ânimo e ajudava, no seu cadenciado, a vencer mares de searas.
Tudo se formava e tudo se dissolvia na ida e com o regresso das labutas, onde homens, mulheres e crianças marchavam juntos durante quilómetros. Era essa a escola, era essa a vida do cante.
Só mais tarde, a partir da década de trinta, dentro das vilas, é que os Grupos corais começaram a ter alguma consistência organizativa.
Em torno da figura de um bom cantador, começaram a esboçar-se os Grupos Corais que temos hoje. Com disciplina de posições, com organização e ensaios.
A mulher começa a aparecer no “cante”. A que se deve tal facto? A mulher também faz parte da tradição?
Como atrás dissemos, as mulheres estiveram na génese do cante, lado a lado com os homens. Ombreavam no trabalho e aí, podiam cantar e cantavam juntos.
Mas a sequencia, digamos que urbana do cante, privou, durante décadas, as mulheres de assumirem o seu papel como intérpretes de uma “moda” que também era sua.
Dado o seu estatuto Sócio-Cultural, não frequentavam os lugares onde o cante se prolongou depois de desaparecer dos campos, afastado pela mecanização da agricultura. Por isso, só por isso, durante tanto tempo se fez o silêncio nas gargantas femininas.
Mais tarde veio Abril e pouco a pouco foram-se abrindo os corações das mulheres para o cante, à medida que se iam também abrindo os horizontes dos seus direitos e as suas possibilidades de movimentação dentro do tecido social.
Dizem-me que o cante nunca cantou a política. E quais eram os temas cantados?
Antes de 74 o cante não podia abordar a temática política Algumas modas, porque as houve, mais ousadas eram proibidas e os seus interpretes castigados. Neste país, mesmo com fome não se podia gritar por pão. Mesmo tolhidos, não podiam clamar por liberdade. Assim, as modas, feitas e divulgadas nessa época, na sua generalidade, cantavam a vida, a contemplação, a nostalgia, o amor, a saudade, o trabalho, tinham uma função mais de expiação das mágoas do que de reivindicação de melhor sorte.
Logo a seguir ao 25 de Abril, o cante e os corais foram notoriamente instrumentalizados para “enfeitarem” manifestações e comícios e as letras das modas, por essa via, sofreram, como não podia deixar de ser, durante algum tempo as influências diretas do momento político efervescente, reivindicativo e até quase conspirativo da altura, como nas modas “morreu Catarina, era comunista” e “oh reforma agrária, eu sonhei contigo...”.
Mas depressa os Grupos retomaram o cancioneiro popular, continuando a cantar as modas que falavam da vida, da sua vida, do campo e da nostalgia de tempos idos, como na moda, “lembra-me o tempo passado, tudo se vai acabando, o boi puxando o arado e o almocreve cantando…”.